Os “com razão” e os “sem razão”
O que se percebe hoje no mundo é a existência de uma multidão de queixosos-raivosos. Alguns com razão, digamos assim, mas a maioria absoluta quase que por hábito.
Apenas para nos situarmos chamaríamos os “com razão” aquelas pessoas que estão passando por enormes tragédias em suas vidas, como guerras, expurgos e cataclismos de todos os tipos. Pessoas sem condições de filosofar sobre a razão de suas dores, seja por falta de cultura, por falta de tempo ou por falta do mínimo para subsistência. Pessoas cuja luta pela sobrevivência impõe um ritmo acelerado de necessidades inimagináveis para os “sem razão”, isto é, a maioria de nós.
Deixando de lado nesta discussão essa parcela da humanidade, o que move a outra, a maior inclusive, em direção ao sofrimento sem saída da reclamação crônica? Por que nos comportamos assim?
Somos sedentários de corpo e alma
Vivemos de uma forma letárgica a apontar o dedo em todas as direções buscando culpados, ou então sentados avaliando aquelas chatíssimas soluções para nossos problemas. E como, naturalmente, eles não se resolvem com essas medidas ilusórias, passamos a vida entre queixas, frustrações e irritações.
Quando o ser percebe que procurar culpados não resolve, sim, porque mais cedo ou mais tarde ele vai perceber, passa para a fase dois, ou seja, a procura de algo que resolva ou amenize seu problema e, por consequência, sua dor.
A partir daí ele passa, sistematicamente, a se queixar não mais do problema o tempo todo, mas da solução aventada.
Por exemplo, se a questão é a necessidade de um emagrecimento, já que percebeu que os quilos a mais estão fazendo mal para sua saúde ou até para sua autoestima, vai atrás de informações para conseguir o objetivo, que é, obviamente, perder peso.
Como não pode mais passar pelo ridículo de culpar os refrigerantes cheios de açúcar, o chocolate cheio de gorduras ou a mãe que faz comidas gostosas, a responsabilidade passa a ser sua. Mas qual a razão de observarmos uma quantidade tão pequena de pessoas que conseguem perder e manter o peso desejado ou necessário?
A resposta é simples: ninguém gosta de sair de sua zona de conforto. Muitas vezes, ou quem sabe, na maioria das vezes, para emagrecer é preciso muito mais que uma dieta. É preciso uma mudança de hábitos de vida. Todo mundo sabe que se faz mais que necessário abandonar a vida sedentária, prestar atenção nas calorias ingeridas, no tipo de alimento mais adequado, fazer alguns exames médicos talvez. Ou seja, sair da zona de conforto.
Zona de conforto
E o que é zona de conforto?
É aquela rotina com a qual estamos acostumados, onde não precisamos gastar nem neurônios e nem tempo com mudanças e, principalmente, não precisamos nos privar de nada. Então gastamos a vida sem pensar muito, apenas colhendo os resultados negativos de nossa passividade. Aos quais, aliás, estamos acostumados.
Não pesquisamos os melhores alimentos, não gastamos tempo com a preparação de refeições mais saudáveis, não saímos da frente da TV ou do computador para fazer uma caminhada ou, quem sabe, uma academia e continuamos gordinhos e com a falsa sensação de felicidade comendo as mesmas porcarias de sempre; enquanto isso nossa consciência pesada nos atormenta pelo tempo perdido.
É a tal zona de conforto que mantém o político corrupto, acostumado que está com a delícia da bajulação. É o que nos faz passar pelo cãozinho abandonado ou pelo mendigo na rua e dizer:
“Tadinho”. E deixar por isso mesmo.
É o que nos impede de ir visitar um amigo doente, já que teremos que deixar nosso lazer ou a tranquilidade de nosso lar por umas horas. Aí ligamos e falamos a bobagem socialmente aceita, já que somos todos parecidos:
“Então, se precisar de mim você liga”.
Ora, o amigo doente nunca vai ligar, mas aliviamos nossa culpa.
Zona de conforto é o que impede nossas mudanças, pois abandonar velhos e conhecidos padrões de comportamento dá mesmo trabalho. Toda ação dá trabalho e requer vontade e energia. Seja simplesmente emagrecer, passar num concurso ou prestar solidariedade; ou então fazer algo que modifique o pequeno universo ao nosso redor. Nada é fácil mesmo.
Então você deixa para emagrecer depois do ano novo, deixa para se engajar num serviço social no ano que vem, deixa para estudar em outro concurso, deixa para visitar o próximo amigo que ficar doente, deixa a decisão de parar de beber para depois do carnaval; deixa também a ideia de ser menos chato, agressivo, irritado, preguiçoso ou de querer tudo do seu jeito, para qualquer dia destes.
A nossa zona de conforto nos proporciona um mórbido prazer, pois é onde nos sentimos à vontade para continuar reclamando de tudo e achar que temos razão para isso. É como um vício.
E a vida acabou
Resumindo, você deixa a felicidade para depois também. E passa a vida se queixando, sofrendo, procurando culpados e razões para continuar tudo na mesma. E, de quebra, achando as soluções vislumbradas todas muito difíceis.
Quando você despertar a vida já estará acabando e você continuará se sentindo tão infeliz e miserável como sempre. E a culpa será só sua.
O grande problema é que você não percebeu que no tic-tac do relógio, não era o tempo que estava passando. Era a sua vida.