Você é autossuficiente?

Anos atrás um amigo precisou de uma internação hospitalar para uma cirurgia eletiva de um problema grave e, logo ao chegar, recebeu um questionário que deveria ser imediatamente respondido. Uma das perguntas era sobre sua crença religiosa.

Não tendo nenhuma específica ele pensou, até de forma divertida:

“Humm! Já que estou há poucas horas de entrar em um centro cirúrgico, seria bom dar uma estudada no assunto, pois ficar sozinho nesta situação, sem uma ajudinha divina, não parece lá muito bom.

Na hora do aperto a maioria das pessoas, mesmo as mais céticas, tendem a apelar para o divino, para Deus. 
Esse temor inicial não durou mais que alguns segundos, mas suficientes para ele perceber que precisava parar um momento para uma definição.

Passado o primeiro impacto frente à surpresa da questão, tão simples e ao mesmo tempo tão complexa, que mobilizou nele uma necessidade emocional premente de estabelecer uma relação de intimidade com um possível plano de amparo superior, escreveu simplesmente, com súbita convicção:

“Minha crença é em Deus. ”

 

Nascidos para morrer

Nascido condenado a morrer, desde sempre o ser humano buscou saídas para sua imortalidade. Saídas que o livrassem de tão dolorosa condenação: sua própria finitude. E as melhores respostas sempre vieram da eternidade, onde cada povo, cada raça, cada homem em cada época, buscou definir os caminhos para alcança-la.

E a maioria desses caminhos são pavimentados, desde sempre também, pelas mais diferentes concepções religiosas. Desde as mais primitivas, quando deuses de pedra eram adorados, às mais sofisticadas possíveis e que estão disponíveis nos dias de hoje; de qualquer lado que se olhar lá haverá uma nova possibilidade.

Muitas destas tentam, inclusive, de todas as maneiras, dar conotações científicas às suas liturgias, no intuito de provar que seu Deus é algo líquido e certo, esquecidas talvez que o que está em questão é apenas o modelo pessoal de conforto que cada ser pode obter para si. Ou não.

Jamais alguém ou alguma religião provará a existência de Deus. Até porque não é necessário, pois trata-se apenas de um conceito, pessoal e intransferível. Pior ainda quando lutas fraticidas se travam para decidir-se qual religião tem o melhor Deus. Como se isso fosse possível.

 

Meu Deus é melhor que o seu

Muitas pessoas não têm respeito pelos conceitos ou convicções alheias e quando se fala de religião, isso muitas vezes atinge conotações insanas; é quando percebemos gente comum tendo reações de extrema intolerância, sejam elas recheadas ou não de agressividade palpável.
Discutimos o assunto, repassamos mensagens lindas, lemos os livros santos, assistimos vídeos, frequentamos templos e ouvimos as vozes de religiosos de todos os tipos; também admiramos intelectuais tidos como iluminados em geral. Todavia, como tudo na vida, esse amontoado de informações vai entrando numa espécie de piloto automático. E aí paramos ou esquecemos de nos perguntar uma vez mais:

“Afinal, qual é o Deus no qual tenho fé? ”

Ou “qual é o Deus que necessito? ”

 

Somos interesseiros das benesses divinas

Parece estranho pensarmos em Deus em cima do parâmetro “necessidade”. Mas, infelizmente, ainda estamos nesse estágio. Somos interesseiros no geral e nossas crenças não escapam muito desse conceito. Se nossas necessidades são supridas surge um Deus bom e justo, caso contrário ou nos deprimimos ou buscamos outro Deus, outras respostas, outra religião, outras promessas.

De qualquer modo, será que deveríamos deixar que os outros definam esse Deus por nós? 
Melhorar essa definição seria apenas para o nosso conforto pessoal, para viver com algo mais palpável, como a necessidade do meu amigo, que frente à doença, se viu incomodado quando teve a fugidia percepção de que não gostaria de estar só em sua trajetória para uma eventual morte.

Entretanto, tudo isso ainda passa muito longe de chegar perto do grande mistério essencial do universo: acaso ou criação?

O Deus de cada um, que nunca teremos palavras ou pensamentos suficientes para defini-lo, já que traduz mais uma emoção, continuará sendo um enigma. Até porque, voltamos a repetir: essa definição não é necessária.

Precisamos deixar de ser prepotentes nesse sentido e parar de querer decidir pelo outro o que é melhor para ele.

 

Um mistério pessoal que jamais poderá ser chamado de universal


Assim, meu amigo chegou a uma definição, obrigado pelas circunstâncias, é verdade, mas que era somente dele somente.

A percepção ou não do Deus no qual alguém acredita não importa para os outros, pois não é única e nem poderia ser. Apesar de já podermos palpitar que somos todos possivelmente apenas um, cada homem sim, nesse planeta, ainda se sente como um ser único.

Então, que cada um busque o seu. Aquele que é útil para si mesmo. Tanto para minimizar a dor do desamparo final, como para incrementar a própria compaixão para com os semelhantes, em vez de sair criticando ou destruindo em cima de algo tão misterioso e imponderável.

 

Resumo:

– quando as coisas ficam muito difíceis e o temor aparece, aparece também o desejo de ser amparado por algo divino

– desde que o mundo é mundo o homem corre atrás de garantir sua imortalidade através de crenças variadas

– obviamente, como não há consenso sobre os mistérios que cercam a divindade, cada ser tenta encontrar seu Deus em particular, que supra suas necessidades, mas não sem antes criticar o dos outros

– nesse processo pode até terminar seduzido por verdades alheias; ao menos enquanto um percalço mais forte da vida o não o atingir

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