Os gatilhos da insensibilidade

Quanto mais pensamos, mais percebemos que o grande mal da humanidade, neste momento terrível que atravessamos, é a falta de compaixão. Se procurarmos nos dicionários encontraremos o significado desta palavra:
“Sentimento piedoso de simpatia para com a tragédia pessoal de outrem, acompanhado do desejo de minorá-la; participação espiritual na infelicidade alheia que suscita um impulso altruísta de ternura para com o sofredor.”
Se pudéssemos resumir diríamos que a compaixão, como bem lembraram outros autores, nada mais é que nossa capacidade de estar com o outro no momento de sua paixão, isto é, no momento de sua dor, de sua miséria.
Falasse tanto da paixão de Cristo, por exemplo, sem que haja de fato uma maior compreensão da palavra.
Paixão nos dias de hoje, pela própria psicologia, nada mais é que um sentimento falso, substitutivo de outro verdadeiro, que no caso seria o próprio amor. Como se vê, o ser humano foi modificando o significado das palavras e, infelizmente, foi também se afastando de seu significado mais profundo.
Esta paixão humana, que nos separa, já que não contém em seu bojo sentimentos de ternura ou solidariedade, e sim de posse, é diferente da paixão verdadeira, que deveria despertar-nos para um bem maior.

E vamos vivendo nossas mentiras inconscientes

E quando pensamos em compaixão é quase impossível não lembrar da empatia, palavra que está tão na moda, mas que costuma ser aplicada ao bel prazer de cada interessado:
“Ah! Fulano não tem empatia para comigo”. Palavras usadas em tom de queixa quando alguém não concorda conosco ou, especialmente, não sofre solidariamente. Não contagiamos o outro se ele perceber que nosso sofrimento carece de razões plausíveis. Quando nos queixamos demais, geralmente, ele não é verdadeiro mesmo.
Aí nos lamentamos como se fossemos vítimas. Dizemos, por exemplo, que estamos tristes, isto ou aquilo, quando no fundo estamos com raiva e aí queremos que tenham empatia com uma inverdade, o que é impossível.
Diz-se que empatia é a capacidade de sentirmos o que sentiria uma pessoa caso estivéssemos na mesma situação vivenciada por ela. Desde que legítima, é claro.
Como se percebe, na empatia entendemos com mais clareza a dor alheia e, na compaixão, que é sua continuação, nos movemos para uma ação mais efetiva, no sentido de um auxilio verdadeiro. Então, se não temos capacidade para a primeira, jamais chegaremos à segunda.

O fundo do poço cada dia mais perto

Quando chegamos nesse impasse, caracterizado por um alheamento aos acontecimentos dolorosos que nos rodeiam, próximos ou distantes, pessoais ou sociais, disfarçados ou não por uma preocupação passageira, estamos chegando, assim como toda a humanidade, ao fundo do poço. Exatamente o que observamos nos dias de hoje.
Guerras e distensões sociais estão acontecendo em várias partes do mundo, continuadamente, anos e anos a fio, desde sempre, sem que nos preocupemos de fato com as pessoas nelas envolvidas. Suas dores, suas perdas, seu desespero, sua fome e sua desesperança, como se não fossemos também responsáveis. Não movemos uma palha em seu socorro.
Conflitos oriundos de corrupção e autoritarismo de todos os tipos, desde os políticos até os religiosos, sangram a face do planeta em disputas sem fim; enquanto isso, não só assistimos a tudo de forma inerte, indiferente e quase abobada, como continuamos a elevar para altos cargos malucos, desonestos e desequilibrados das mais diferentes facções.
Isso para não citar o verdadeiro holocausto animal que patrocinamos para alimentar milhões de alienados às dores que pairam sobre nosso pobre planeta. Depois rezamos pedindo as benesses da divindade.

Ainda vivemos no modo sobrevivência

Ora, se nós, seres humanos, não somos responsáveis pelo sofrimento da Terra e dos seres que nela habitam, então, quem será? Os alienígenas?
E as razões da falta de empatia passam pelos nossos defeitos e, em especial, por nosso egoísmo, que não nos deixa perder mais que alguns momentos com os problemas alheios. Ao final isto carregará a todos nós para o mesmo buraco.
No fundo nossos defeitos se complementam, como a intolerância, a arrogância ou a prepotência, entre outros, mas sempre tendo o egoísmo como protagonista. Só pensamos em nós mesmos e os outros que se danem.
Há séculos vivíamos para sobreviver. Defendíamos nossos domínios, matávamos e tudo mais, pois a luta era mesmo feroz e impiedosa.
Mas, o tempo passou e continuamos a fazer as mesmas coisas.  O conceito da sobrevivência ainda prevalece, com suas mais diferentes fantasias. Continuamos querendo ter poder em nossas mãos, continuamos matando, comendo avidamente nacos das carnes dos inocentes animais abatidos aos milhões diariamente, como se carnívora fosse nossa estrutura física; continuamos olhando só para nosso próprio umbigo e a defender nosso feudo, sem nos importar com as necessidades de nossos companheiros de jornada neste planeta. Fingimos que não sabemos e tocamos nossas pobres vidas para frente, sem qualquer contribuição desinteressada ao universo.
Nunca o velho ditado que diz: “o que os olhos não veem o coração não sente”, foi mais verdadeiro entre esta raça que diz estar no topo da cadeia evolutiva.

A volta às origens

A empatia desaparece frente às nossas necessidades. O que se dirá então da compaixão? Voltamos à barbárie e aos instintos mais primitivos. Nossa maldade aflora e já não mais fazemos conta de nos preocupar com as dores alheias. Grandes ou pequenas.
Muitas vezes não nos preocupamos sequer com as aflições que causamos ou pelas quais passam nossos amigos ou familiares; o que dizer das pessoas que não conhecemos? Elas simplesmente não importam e o ser se esquece que somos todos um com a natureza e que a dor de um terminará por ser a de todos.
Isso tudo, no entanto, não está enraizados no ser; está nos nossos pensamentos, que é moldado conforme as necessidades e o momento, o que pode nos colocar à mercê de hábeis manipuladores, como políticos, ditadores ou até mesmo de falsos lideres religiosos. Passamos a fazer o mal em nome de ideologias. Grandes conflitos armados provam essa teoria.
Mas, como os pensamentos mudam conforme sopra o vento, nossa maldade também pode ser passageira, já que não é de nossa natureza; se nos modificarmos, partindo da admissão de nosso egoísmo, tudo o mais poderá ser modificado junto.
O homem não tem ideia de seu enorme poder na modificação do mundo em que vive e do qual tanto reclama. Ser honesto e cuidar bem da família não é mais suficiente nos dias atuais; aliás, é só uma obrigação.
Não nascemos para nos iluminar. Aqui estamos para contribuir e caminharmos juntos, com empatia e compaixão.

Resumo:
– se não compreendermos o que é empatia, jamais compreenderemos o que é compaixão; a primeira dá insight e a segunda motiva a ação de socorro
– a causa primeira de nossa inércia é nosso egoísmo, que nos impede de sair de nossa zona de conforto; simplesmente não detectamos as dores alheias
– a maldade não é de nossa natureza, o que permite que possamos nos modificar; se admitimos nossos defeitos, o primeiro passo será dado

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