Em que tempo você vive?
Podemos especular sobre muitas razões para nossos sofrimentos cotidianos e também em diferentes modelos de compreensão para os mesmos.
Todavia, a cada dia fica mais implícito que a dificuldade do ser humano em separar o hoje do amanhã, ou do ontem, é uma das principais causas desse conjunto perene de dores no qual está mergulhado.
Quase não percebemos que o amanhã ainda não existe e que o ontem já passou, pois prestamos pouca atenção na realidade do momento. Vivemos mais ou menos engessados em rígidas rotinas e hábitos que nos impedem de olhar em torno de nós mesmos e constatar o que realmente está acontecendo.

O jogo das possibilidades
Não é difícil encontrarmos pessoas que confundem preocupação com planejamento de vida. Por exemplo, suponhamos que você é um pequeno empreendedor e seu sócio lhe avisa que poderá deixar a ainda não totalmente autossustentável empresa em breve.
Num repente uma ansiedade se instala em seu peito e você já começa a passar mal, até mesmo fisicamente, só de pensar o que será de sua vida sem alguém para repartir as despesas. Quando percebe já está com raiva do sócio, já está irritado, já percebe uma dor de cabeça se instalando, já não dorme direito e por aí vai.
A única coisa que você não percebe é que não aconteceu absolutamente nada no momento presente. A dor da separação e eventuais consequências na sua vida não passam de possibilidades, como tudo que vislumbramos no futuro. Podem acontecer ou não. Podemos até morrer daqui a poucos momentos. Não temos como controlar o que ainda não aconteceu. E se não podemos controlar, por que já sofremos com isso? O amanhã ainda não existe.
“Ah! ” _ diriam alguns _ “Não pensar no amanhã é irresponsabilidade. ”

Preocupação X planejamento
Essa é outra confusão que se faz. Não se trata de não pensar no futuro. Trata-se de não sofrer por antecipação com isso que se chama de preocupação. É quase irracional, pois confunde-se planejamento, que é uma atividade cognitiva, isto é, cerebral, com sofrimento, que é um conjunto de emoções, razoáveis ou não. Nestes casos tais emoções costumam ser trazidas do passado, de outros tempos, quando a dor foi real.
Atualizamos as informações desse passado como regra e não discernimos que estamos perpetuando uma fantasia para o futuro. Fantasia porque nada aconteceu de fato. Estamos em casa jantando com a família, chorando e nos lamentando por uma dor que poderá, ou não, acontecer.
Ora, se o sócio avisa que poderá nos deixar, mesmo que em nosso passado tenham havido outros abandonos, precisamos pensar que o passado ficou para trás e que agora estamos mais crescidos e preparados para novos desafios. Podemos parar e planejar as diversas opções, os ganhos e as perdas, as possíveis soluções ou modificações necessárias, caso o fato venha a acontecer.
“Quer dizer então que se ele fosse embora hoje seria lícito sofrer? ”
Não se trata de decidir se é lícito ou não. Não deveríamos nos colocar como severos juízes de nossas vidas. Assim como no planejamento da vida percebemos as diversas opções, na contrariedade do presente, também podemos optar ou não pelo sofrimento.

A difícil tarefa de lidar com as frustrações
Nas perdas, nos confrontos, nas situações ruins e inevitáveis do dia a dia, podemos escolher entre nos entregar à raiva da indignação, da não aceitação ou ainda às tristezas da vitimização, por exemplo. Coisas são roubadas, filhos são reprovados, amigos vão embora, pessoas morrem, o dinheiro falta, casamentos se desfazem, tragédias acontecem.
Passado os primeiros momentos de dor, tão naturais, caso ela continue intensa e sem solução, deveríamos parar e verificar se continuamos sofrendo porque não lidamos bem com frustrações e expectativas. Podemos transformar o sofrimento numa oportunidade de crescimento e transformação. Uma oportunidade de descobrirmos quem somos de fato e nos libertarmos de nossas fraquezas, defeitos e hábitos irracionais.
Como se vê sofrer é sempre opcional. Nos entregarmos a um sofrimento sem fim hoje não se justifica, ou o que é pior, sofrermos por aquilo que aconteceu ontem ou pelo que pode acontecer no amanhã é quase um delírio. Se prestarmos mais atenção em nossas emoções viveremos mais no dia de hoje, que é o único tempo real que dispomos. Viveremos mais livres, seremos mais eficientes e felizes, independente das lembranças do que já aconteceu ou da ilusão do que achamos que vai acontecer.

Resumo:
– o ser humano tem grande dificuldade em viver no presente; sofre pelo que já passou e pelo que imagina estar por vir
– o único tempo que dispomos é o hoje; o passado ficou para trás e o futuro simplesmente não existe
– a vida é um jogo de possibilidades, que podem ou não vir a ocorrer; sofrer pelo que passou é inútil e, por antecipação, é quase um delírio
– sofremos porque, além de não percebermos essas nuances do tempo, não prestamos atenção em nossas emoções e, por consequência, não distinguimos aquilo que é verdadeiro

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