Novos tempos X antigas dores emocionais
É possível que muitas pessoas jamais tenham ouvido falar disso. A nova psiquiatria chama de TOC uma patologia denominada Transtorno Obsessivo Compulsivo.
Para os mais antigos ela nada mais é que a antiga neurose obsessiva, cujo nome saiu de moda e virou o hoje o popular TOC.
Tudo correto não fosse a banalização dessa nomenclatura. Por qualquer pequena mania já dizem que a pessoa tem TOC. Infelizmente a maioria das pessoas não têm a menor noção do que se trata de verdade e da seriedade com que o assunto deveria ser abordado.
Vidas aprisionadas
Patologia grave, que poderia ser enquadrada na categoria das psicoses, já que sua evolução, muitas vezes, dificulta muito uma vida normal. É alienante, na medida que o indivíduo desenvolve uma série de extensos rituais compensatórios às suas intuições negativas, os chamados delírios; pode passar horas no banho ou dando voltas em todos os postes do caminho, entre muitas outras coisas, para que tragédias não aconteçam. Não consegue controlar-se e daí vem o nome da doença, pois age sem sentido lógico e compulsivamente.
Toda uma vida pautada em cima de rituais e manias, muitas vezes levados na piada, no deboche ou ainda com descrédito pelos circundantes, justamente pela falta de compreensão de sua gravidade. Rituais e manias que aprisionam o indivíduo à sua própria mente adoecida, numa interminável busca de salvação.
Salvação e responsabilidade
O que aprisiona a pessoa numa roda constante e crescente de dor, pois tem consciência do que faz, é a necessidade de salvar seus entes queridos. O tempo todo sua mente trabalha com a possibilidade de que se não se render à complexa intuição envolvendo este ou aquele ritual, algo terrível acontecerá para alguém que ela ama; desta maneira a sobrevivência daquela pessoa passa a ser de sua responsabilidade.
Conforme o tempo vai passando essas ideias, digamos assim, vão se fortalecendo, assim como suas certezas do desfecho trágico, o que traz a necessidade, movida pelo desespero, de tornar os rituais mais e mais complexos para fazer frente à tragédia iminente.
O entendimento do absurdo
Sabemos que é difícil a tentativa de compreensão desse tipo de comportamento; especialmente para aqueles que não conseguem ter empatia com as dores alheias.
“Como alguém pode se render à tais absurdos?” _ é a fala simplista e preguiçosa dos donos das pseudoverdades do mundo.
A capitulação incondicional do indivíduo se dá em função de seu próprio orgulho, pois nada mais humilhante que uma pessoa consciente ter que sair pela rua batendo três vezes nas portas de todos os carros estacionados, dar dois pulinhos quando vê alguém usando determinada cor ou pular todos os riscos das calçadas, por exemplo.
É uma doença intimamente relacionada com personalidades orgulhosas que sempre esperaram que todos concordassem consigo por se julgarem os donos da verdade. Aquela velha história da prepotência onde o indivíduo quer que tudo seja do seu jeito.
Como isso, naturalmente, nunca acontece, nas personalidades mais fragilizadas uma crescente irritação desperta antigas lembranças de culpas do passado. Culpas que se transformam de maneira inconsciente e vão tornando o indivíduo um ser delirante, num processo desesperado de solução que pode leva-lo quase que à perda total da sanidade. Como sempre restará um fio de consciência, mesmo nos casos mais incapacitantes, o orgulho estará sendo constantemente massacrado.
O salutar desapego
Como se vê, nada disso precisaria acontecer caso o indivíduo pudesse não só admitir, mas também abrir mão de seu orgulho e de seus defeitos, em particular de sua tendência a querer mandar em todo mundo ou se achar melhor que os outros. Caso pudesse prestar mais atenção em seus próprios pensamentos e sentimentos, e perceber, com o treino diário, como o mundo não existe para atender suas expectativas. Caso pudesse notar, lá do alto do altar em que se coloca, a fragilidade de sua alma, tão facilmente fragmentável a partir de suas próprias raivas.
Mas, se isso não ocorre desde o primeiro momento de aparente “loucura”, a ladeira vida abaixo tende a se tornar cada vez mais perigosa, com o indivíduo tornando-se refém de si mesmo.
Resumo:
– personalidades orgulhosas tendem a se enraivecer com mais facilidade quando contrariadas
– a falta de atenção e cuidados aos pensamentos e sentimentos podem levar ao despertar de antigas culpas, travestidas em novas e atualizadas roupagens
– se além de orgulhoso o indivíduo tem a alma fragilizada, ela pode quase que se fragmentar na tentativa de resgate através de absurdos e humilhantes rituais; a dor se encaminha para um moto contínuo, sem saída.
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