Imagine se você tivesse vivido no primeiro século depois de Cristo em Roma. Pode imaginar?
Seu nome seria Ciro. Único filho de Marcus e Alexandra, escravos na casa de Mucio, o rico centurião.
Com a morte de seus pais quando ainda criança, o bom Mucio o tomaria a seus cuidados e você viveria feliz apesar de ser também um escravo, adorando seu senhor, que o trataria como um filho.
Aos 20 anos Ciro havia se tornado uma espécie de escudeiro doméstico do já velho, mas ainda famoso centurião. Quase uma sombra que o seguia para todos os lados, não apenas dentro de casa, mas por toda Roma, para o agrado de Mucio, que gostava de sua companhia. Andavam lado a lado.
Ciro, assim como os demais serviçais da casa, era extremamente agradecido aos deuses por viver com tanta dignidade, mesmo sendo apenas um escravo. E o ancião, que já caminhava com passos curtos e apoiado numa espécie de bengala, era muito amado por sua generosidade ímpar.
Adivinhando seu anseio secreto de também se tornar um guerreiro, por volta dessa idade foi enviado para ser treinado por Lívio, numa cidade próxima, onde foi recebido com especial atenção por ser o protegido de Mucio. Uma honra desmedida e só reservada à nobreza.
Não existiam palavras para agradecer tanta bondade. Jurou para si mesmo que nunca decepcionaria seu benfeitor.
E assim se fez. Os anos passaram. Subiu de postos rapidamente por seu desempenho. Era dedicado e corajoso, além de sempre preocupado com o bem-estar de seus soldados. Passou a comandar grandes exércitos e se tornou muito querido, tendo sua fama corrido por todo o império.
Seu bom protetor já havia morrido há muito tempo, mas seus nomes estavam associados para sempre e, desta maneira, tudo o que fazia era para honrar seu nome.
Aos 35 anos era muito cobiçado pelas moças casadouras dos palácios, pois além de famoso e dono de uma beleza rara, Mucio havia lhe deixado todos seus bens. Todavia, muito dedicado ao trabalho, não achava necessário pensar em constituir família. Manteve todos os empregados da casa, agora libertos, e de todos cuidava, reservando especial atenção à Temíssia, a velha governanta que lhe servira de mãe. Esta era sua família.
Aos 45 anos cogitaram envia-lo, assim como a outros grandes centuriões, ao cerco de Jerusalém.
Nessa altura da vida sua fama, que só aumentava a cada conquista, era entremeada pelo falso propósito, que fazia questão de proclamar, de expandir a cultura romana e ensinar os vencidos, o que causava certo mal-estar entre seus pares mais realistas ou sanguinários. Era também invejado, pois além de rico, era cobiçado pelas mulheres, respeitado no palácio real e admirado pelo povo.
No entanto, apesar das fofocas sempre chegarem a seus ouvidos, apenas ria-se delas, certo que jamais alguém lhe faria algum mal.
Era tido como um homem bom, mas vaidoso; singular e misterioso. Acima do bem e do mal. No fundo pensava ser o próprio Mucio, mas não possuía seu discernimento, pois desqualificava as pessoas e o perigo que poderiam gerar. Era sim amado por muitos, mas odiado por outros tantos, aqueles que o conheciam. Parecia pairar sobre o mundo, cujos sons não escutava.
Aproximando-se do grande cerco do oriente, não demorou para que muitos começassem a temer que atrapalhasse os planos do império com suas atitudes. Foi sequestrado de dentro do acampamento e esfaqueado; teve os olhos queimados e deixado para morrer com dores lancinantes. Nunca mais ninguém soube dele.
Como você pode ver, se você tivesse nascido na Roma antiga, poderia ter alguns dos defeitos que as pessoas ainda têm hoje, como a prepotência e sua companheira fiel, a vaidade.
Ciro nunca se deu conta do desprezo que tinha pela realidade à sua volta, deslumbrado que era com sua vida, com as cortesias que recebia de todos e com os olhares invejosos, que no fundo apreciava. Aparentemente ajudava os que julgava inferiores, mas nunca olhou um palmo à frente do próprio nariz para perceber que não era tão intocável. O sucesso e a prepotência o haviam cegado bem antes do óleo fervente ser derramado em seus olhos. Da mesma maneira que fingia não ver as barbaridades que seus homens também cometiam, só para preservar a imagem que havia criado.
Hoje em dia a maioria de nós já não desfila em garbosos uniformes sob o olhar espantado do povo, mas continuamos gostando de nos gabar, além de nos deleitar com elogios e bajulações. Continuamos a achar que somos melhores que os outros e a nos comportar como se o mundo devesse se curvar às nossas vontades. Nos julgamos a última bolacha do pacote, sem perceber, ou fazendo vistas grossas, à irritação ou sofrimento que isso pode causar nas demais pessoas. Podemos ser condescendentes com alguns e altivos com outros. Tudo depende de nossos interesses de momento.
Mas gostamos de mandar e querer tudo do nosso jeito, sem nos importar de fato com a opinião alheia. Preferimos, sim, conscientemente ou não, viver cegos e iludidos.
Ciro não teve tempo, mas se confrontado, provavelmente se faria de vítima: “Como assim? Sou tão bonzinho. Por que comigo? Que injustiça. ”
Ou quem sabe: “Não me compreendem mesmo. Tolos. ”
Notadamente inteligente e muitas vezes de fala mansa, o prepotente vive como se estivesse “emburrecido”, fazendo de conta que não percebe o mundo à sua volta, teimosamente preferindo se fazer de vítima a se modificar. A vaidade, geralmente, ocupa um importante lugar coadjuvante em sua vida.
Post 6 – Comigo nunca nada vai acontecer
