Nós, os “normóticos”
Muitos nos perguntam se é verdade que somos todos neuróticos e se surpreendem muitíssimo quando a resposta simples e direta é:
Sim! Dependendo do enfoque que se der à etiologia do problema, somos sim todos neuróticos.
As pessoas não aceitam porque desequilíbrios emocionais são coisas que acontecem apenas com os outros, não é mesmo? Chiliques, “peripaques”, nervosismos e ansiedades, entre outras coisas, são comportamentos que não dizem respeito a nós, os “normóticos”.
“Eu sou normal!” _ pensam ou resmungam as pessoas, quando admoestadas sobre este ou aquele comportamento menos adequado. “Maluco é você!”. Ou quem sabe fulano, a sociedade, o chefe, a vizinha, o marido, etc.

Cegueira conveniente
É muito interessante observar como somos, na média, absolutamente cegos para nossas pequenas dificuldades, às vezes até mesmo para as grandes, mas, especialmente, para aquelas que não nos causam dores excessivas. Poderíamos chamar essas pequenas dificuldades também de pequenos defeitos, apesar da chiadeira em torno do assunto.
Mas do que estamos falando, afinal? O que é neurose? E qual é esse pequeno defeito que seria sua causa e que nos deixa tão nervosos quando comentado ou sugerido?
Quando se usa o termo neurose de forma genérica, estamos nos referindo àqueles problemas não impeditivos para uma vida normal. Talvez não tão feliz, mas normal.

Antigas neuroses
Na escala das doenças emocionais, poderíamos citar, por exemplo, a antiga neurose obsessiva, cujo nome saiu de moda e virou o popular TOC ou transtorno obsessivo compulsivo. Patologia grave, que deveria ser enquadrada na categoria das psicoses, já que sua evolução, muitas vezes, dificulta uma vida normal. É alienante, na medida que o indivíduo desenvolve uma série de extensos rituais compensatórios às suas intuições negativas, os chamados delírios, como passar horas no banho ou dando voltas em todos os postes do caminho para que tragédias não aconteçam. E daí por diante.

Novos paradigmas
Então, quando falamos de neurose hoje em dia, estamos nos referindo a uma patologia genérica, menos grave, que não nos faz sofrer tanto, mas que é propriedade exclusiva de todos nós, que pensamos ser normais. Quando confrontamos esse paradigma logo vem o primeiro chilique:
“Neurótico, eu? Claro que não.”
Não somos doentes mesmo, mas somos invejosos. E aí vem o segundo chilique:
“Invejoso, eu? Que bobagem. Imagina.”
Sim. Invejosos. E com a inveja construímos nossa neurose. Temos inveja daquilo que julgamos ser a felicidade alheia. Um carro novo, uma roupa diferente, a namorada atraente, a casa mais bonita, a simpatia de algumas pessoas, o talento do artista, um cabelo sedoso, o tênis da moda, um cargo na empresa, as conquistas alheias, um filho inteligente ou talvez com o carisma que o nosso não tem, só para citar algumas das coisas que permeiam nosso dia a dia. Coisas ou atributos que, muitas vezes, não possuímos e sequer compreendemos seu significado particular para cada ser, mas que nos parecem a chave da felicidade.

Fingimos alegria com o sucesso alheio
Estamos sempre de olho espichado, mais ou menos infelizes e a qualquer menção sobre essas coisas nos sentimos melindrados, considerando até comentários como pequenas ofensas. Nos irritamos, mas disfarçamos, pois sabemos que demonstrar nossa inveja não é bonito. Todavia, muitas vezes, ficamos ressentidos com a sorte madrasta, com o destino cruel ou o chefe tirano; com os reveses da vida dos quais poderíamos tirar rico aprendizado e também com aqueles que não se solidarizam conosco. Temos dificuldade de nos resignarmos e seguirmos felizes na maravilha da vida e do presente, embora tenhamos na ponta da língua um falso discurso, criado inconscientemente, no sentido de promover efeitos de reconhecimento social. Ficamos tão felizes com a felicidade dos outros, não é mesmo?

Condicionamentos
As pessoas não percebem que é desta maneira que se constroem a moda e os modismos. Vamos nos enredando numa série de falsas necessidades e lapidando nossos condicionamentos, que nos aprisionam à vida e interesses dos outros. Às vezes, cuidadosamente, planejados para nos capturar, usando nossas fraquezas e este defeito universal que é a inveja, sentimento proibido, mas atávico no ser humano. Planejados para mostrar nossa incompetência frente ao que deveria ser a felicidade.
Saberemos que já nos libertamos quando não mais sofremos, choramos ou sapateamos frente às armadilhas criadas por nós mesmos ou pela sociedade consumista na qual vivemos. Quando conseguirmos nos manter serenos frente a um planejamento que não inclui o modelo de vida dos outros seremos verdadeiramente livres e mais felizes.

Resumo:
– neurose, nos dias de hoje, é aquele pequeno sofrimento, insidioso e repetitivo, criado por nossa inveja, geralmente inconsciente, ao que achamos ser a chave da felicidade alheia
– mesmo se alertados para essa característica tão comum no ser humano, não a aceitamos, embora a reconheçamos nos outros a todo momento
– construímos lentamente nossos condicionamentos e nos rendemos às sugestões da sociedade para outras tantas prisões emocionais

                                                      

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