Relembrando
Quando somos invejosos desejamos aquilo que avaliamos ser a razão da felicidade alheia. Cobiçamos, geralmente de forma secreta, as coisas dos outros, seja esta coisa um bem material, emocional ou de outra característica. Cobiçamos o poder aquisitivo, as relações afetivas, a inteligência, a religião, as conquistas, etc. Se confrontados, todavia, negamos veementemente.
Não compreendemos os porquês de nossas limitações e sofremos com nossas frustrações; além disso, logo as pessoas estarão nos chamando de melindrosos, falsos ou hipócritas.
O grande nó
E não fosse apenas isso, percebemos como, via de regra, a inveja anda de mãos dadas com a vaidade. A grande questão é que esses defeitos, ao mesmo tempo que costumam ser socialmente aceitos, não podem ser publicamente admitidos, pois se tornaram politicamente incorretos.
Como na vaidade, quando cochicham pelos cantos, por exemplo:
“Ela é tão vaidosa e se cuida tanto. Que linda”. Mas, ao mesmo tempo, entredentes, também rola a contradição:
“Nossa! Quanta vaidade. Que horror”.
Ou na inveja, mais sútil e escondida, quando pensamos coisas como:
“Minha filha ainda vai dançar balé como a filha de fulana”.
E caso verbalize o desejo para uma amiga, recebe um sorriso amarelo de aprovação enquanto a outra pensa com seus botões:
“Nunca está satisfeita com o que tem. A menina é tão boazinha. Bem que eu queria que minha filha fosse assim”.
Forma-se um nó. É o sim e o não convivendo ao mesmo tempo. Ser vaidoso é aceito e ao mesmo tempo precisa ser criticado e ser invejoso é feio, mas todo mundo, no fundo, também quer para si alguma coisa que observou no outro.
Os defeitos escondidos que todo mundo tem
Inveja e vaidade são defeitos miscigenados no seio da sociedade.
Ao contrário de outros dos quais já falamos, estes, todos temos, em maior ou menor grau. É assim que se constrói uma sociedade de consumo, a moda, as tendências que decidem o que vamos vestir, comer, fazer, usar ou pensar. As grandes empresas, por exemplo, estudam a fundo esses assuntos e manobram a mente das pessoas para que desejem esta ou aquela coisa. Muito simples.
E as mídias, como as redes sociais, por exemplo, tratam de nos determinar os itens de que se compõe a felicidade.
Essa confusão social também ajuda a criar nas pessoas a ilusão de que desse mal ela não sofre. E se percebe, ou não admite que tem ou então decide que é normal. Nada demais. Cria-se também a ilusão que não existem consequências emocionais.
E uma coisa puxa a outra.
E qual defeito vem primeiro? Vaidade ou inveja?
Depende apenas de nossa percepção.
No fundo temos inveja de coisas que poderiam saciar nossa vaidade e vice-versa, isto é, para alimentar a vaidade precisamos de coisas que estão fora de nós.
Difícil ou mesmo impossível saber. Até porque não importa.
De fato, a solução para essa situação que nos escraviza ao sistema em que vivemos, passa, antes de tudo, pela honestidade. Não aquela honestidade para com o outro, como não roubar ou lesar, mas uma honestidade para conosco mesmo.
Uma ação que nos levaria a uma libertação, pois, na medida que admitimos que somos assim ou assado, estaremos olhando de frente nossa própria alma e definindo nossas próprias prioridades, em vez de caminharmos sob o cabresto imposto por alguém ou por um grupo.
O problema é que cada vez que o assunto é mencionado as pessoas costumam ter chiliques:
“Eu? Imagina. Claro que não”.
O outro lado da questão
Quando somos vaidosos precisamos desesperadamente exibir nossos atributos, sejam eles de ordem intelectual ou material. É aquela mulher que gasta mais do que tem, e se endivida, para poder exibir-se a cada dia com um novo par de sapatos. É o empresário que se incomoda se passar uma semana sem aparecer na mídia. É a mocinha que descobre a hora e local que as amigas curtirão um cinema apenas para desfilar o namorado novo e bonitão.
Ou então o filantropo, que todo fim de ano faz questão de apresentar no Facebook a contabilidade de quantas cestas básicas distribuiu, de quantas hortas comunitárias ajudou a construir, quantos presentes comprou para as criancinhas necessitadas, quantos hospitais visitou vestido de coelhinho da páscoa ou quantas edificantes palestras gratuitas proferiu, por exemplo.
E todos eles esperam os elogios. O reconhecimento daquilo que deveria ser apenas uma manifestação de vida comum. Simples e normal. No fundo parece que vivemos todos para os outros, para nos submetermos à apreciação dos outros. E voltamos a nos escravizar, a fazer sacrifícios, a nos desrespeitar e a chamar a nós mesmos de incompetentes para prover as benesses emocionais que necessitamos. Precisamos que o outro venha nos dizer que somos legais, bonitos, inteligentes ou bonzinhos. Tanto faz.
E quando não recebemos o esperado nos frustramos e sofremos.
Viver o agora
Gastamos toda nossa energia vivendo no futuro. A esperar. Sempre a esperar as glórias do que fazemos. Não conseguimos viver no agora e nos saciarmos de alegria pelo simples fato de estarmos vivos, presentes e alertas.
Estamos sempre de olhos espichados para fora de nós. Nos transformamos em pedintes silenciosos do universo, especialmente quando não temos forças ou capacidade de correr atrás do que queremos ou precisamos. E no final das contas, nem sabemos mais o que precisamos, pois incorporamos valores que, provavelmente, não são mais os nossos.
Resumo:
– na inveja cobiçamos o que pensamos estar provendo a felicidade dos outros
– na vaidade precisamos da aprovação alheia para sermos mais felizes
– nunca admitimos que somos nem uma coisa e nem outra, terminando por nos escravizar à comunidade na qual estamos inseridos, pois vivemos para ela e nos submetemos aos seus caprichos
– estamos sempre vivendo a esperar pelo futuro e suas fantasiosas recompensas, já que não temos competência para ver a felicidade em nossa vida hoje